quarta-feira, 15 de julho de 2009

Lá está o meu Tesouro

Ele lhes disse: "Por isso, todo mestre da lei instruído quanto ao Reino dos céus é como o dono de uma casa que tira do seu tesouro coisas novas e coisas velhas" ( Mateus 13.52)
Segundo José Saramago, as palavras são como pedras que nos levam a outra margem do rio, e parece que Jesus focou na figura do “mestre da lei instruído quanto ao Reino de Deus”, ele é a ponte, é ele que coloca as pedras que serão pisadas até a outra margem. E a margem neste contexto é o Reino de Deus.
Infelizmente a leitura bíblica no ocidente se tornou pragmática, e ao invés de uma leitura que extrai sabedoria para a vida, nossa leitura é influenciada pelos manuais de auto-ajuda e liderança corporativa. Uma das características desse tipo de literatura é o seu imediatismo, as regras propostas tem que funcionar em alguns meses, caso contrario é abandonada. No entanto, a proposta de Jesus é o REINO de DEUS um projeto de longo prazo, e que tem sido enriquecido geração após geração. Sem a sabedoria daqueles que nos antecederam, sejam nossos pais ou mentores espirituais podemos gastar parte da nossa vida “testando caminhos”, o que pode em algum momento ser interessante, por outro lado, podemos nos tornar como o filho pródigo que desperdiçou sua vida.
O cristianismo durante todos estes séculos tem criado uma base “tradicional” onde as novas gerações são chamadas a trabalhar as novas realidades que se impõe, utilizando o material ou ambiente “antigo” ou “velho”, juntamente com o novo. A palavra “tira do” dá a idéia de algo pronto que precisa apenas ser pego, mas a palavra grega a que o texto se refere, trás a idéia “brotar”, “extrair”, é algo que precisa ser trabalhado, recriado, a partir do tesouro. Mas o que é tesouro?
A palavra tesouro usada por Jesus tem uma conotação figurativa. Tesouro na literatura grega não está associado a piratas e baús com jóias, mas aquilo que consideramos de elevado valor (Mateus 6:21 Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração) literalmente ou figurada . Por exemplo uma grande amizade é tratada como um tesouro dentro do peito, as ferramentas de um profissional podem ser o seu tesouro. Nossa história de vida pode se tornar um tesouro. Jesus ensina a “ajuntar tesouros no céu”. Estamos entrando em um tempo de decadência institucional, grandes corporações econômicas, financeiras e religiosas estão perdendo sua relevância e testemunho. Temos que aprender a viver sem o testemunho institucional e passarmos para o testemunho pessoal. Jesus sempre se dirigiu pessoalmente, e as histórias bíblicas são testemunhos pessoais. Por essa razão vamos substituir a palavra tesouro por legado, que parece sintetizar o testemunho pessoal, que precisa ser transmitido para as próximas gerações.
O teólogo Irlandês James Houston aos 83 foi indagado por seus filhos sobre como viver uma vida frutífera. Sua resposta aos filhos, rendeu o livro, “ Meu Legado Espiritual”, de maneira que esse Legado não se restringisse apenas a seus filhos de fato, mais aos diversos filhos espirituais espalhados pelo mundo. James Houston entende que os cristãos que deveriam estar lúcidos, também estão confusos quanto a como viver a vida cristã de maneira frutífera e construir um legado para sua família e para o testemunho de Deus neste mundo.

Farei uso de algumas propostas e lições transmitidas por ele em seu livro:
1) Toda geração terá que lidar com as tensões do presente e do passado. A bíblia tem pelo menos 5 mil anos, e sempre será o livro dos cristãos. A morte e ressurreição de Jesus se deram no passado. Nossa fé é uma fé histórica, ela tem sido transferida de geração após geração. Fico preocupado quando ouço criticas a reforma protestante do século XVI, já que 5 séculos depois é fácil apontar os caminhos que não deram certo, no entanto, o grande legado de nossos irmãos do passado é que apesar de tudo, o evangelho chegou até nós e deveríamos ser gratos por isso. Sempre haverá uma tensão entre o novo e o velho, entre o atual e o antigo. Dessa forma a interpretação dos textos bíblicos é fundamental na construção do Reino, é a partir dele que as ações deste Reino são aferidas e validadas. Se os óculos da interpretação permanecessem os mesmos não há ponte entre o texto (antigo) e o Reino de Deus (novo). Segundo Leonardo Boff qualquer mudança séria, precisa passar por uma revisão da dogmática (verdades certas, indubitáveis e não sujeitas a qualquer tipo de revisão ou crítica) cristã. Jesus ao falar do Reino de Deus precisou questionar a dogmática Judaica. Uma geração relevante tem que ser um profundo leitor da Bíblia.

2) As comunidades cristãs não são e nem devem ser homogêneas, Paulo em (Efésios 3:10), trata essa questão falando que somos expressão da ( multiforme- polupoikilos) polu : significa multiplicar, muitas vezes e poikilos : colorido, varias cores, algo engenhosamente construído (sentido artístico) de difícil discernimento. A bíblia King James traduz como “manifold”, que é uma palavra muito usada no campo da mecânica e significa “distribuidor”, ou seja, por uma entrada um produto é distribuído por varias saídas. Os diversos ministérios no corpo de cristo são complementares e não beligerantes. Por não sabermos lidar com as heterogeneidades da Igreja, usamos palavras que dão sempre o espírito de competição “geração que precisa superar”,“ ir alem”, “sobrepujar” e“ guerrear”. Esse não parece ser o espírito do Reino de Deus. Uma geração relevante precisa entender que o Espírito Santo está em todos e age por meio de todos (Efésios 4.6).

3) Investir mais no tempo, que é o bem mais precioso e não renovável da vida, do que em espaços e coisas. Temos gasto muito tempo construindo espaços e adquirindo bens, ao invés de relacionamentos frutíferos. A fé precisa ser transmitida de maneira pessoal, eventos e encontros podem nos transmitir generalizações e muito proselitismo dando-nos uma falsa impressão de crescimento. Temos que resgatar a Bíblia como a fonte que responde a questão de se “remir (resgatar) o tempo” . As pessoas não estão interessadas nas diferenças entre a bíblia católica e protestante, sobre os atributos invisíveis de Deus, mas em como viver - “Examinais as Escrituras, porque vós cuidais ter nelas a vida eterna - João 5.39. Não podemos falar de vida plena sem o resgate do tempo, não em uma perspectiva Kronos (tempo em que vou viver) mas em um tempo kairós (O que vou fazer, e como vou viver com o tempo que recebi). Uma geração relevante precisa aprender a santificar momentos em qualquer espaço.


4) Não estamos em uma disputa histórica de gerações, cada qual tem que lidar para ser relevante no momento histórico em que está e enfrentar os desafios que estão postos. A geração de Josué tinha em desafio, a de Samuel outro, a de Davi outro e assim sucessivamente. A igreja de Atos lidava com problemas diferentes dos nossos, mas dentro daquelas circunstancias históricas ela foi relevante, e por isso é tão admirada. Historicamente diversas comunidades foram tão importantes quanto.


Israel tinha um ano chamado de Jubileu e acontecia a cada 50 anos, nessa ocasião toda as dividas eram perdoadas, o que dava a oportunidade de um novo começo . O recado que este texto nos diz é que pela graça de Deus cada geração pode começar de novo, sem dividas passadas. O sangue de Jesus é o pagamento das dividas e podemos recomeçar geração após geração. Pessoalmente, vivi em uma geração onde a transmissão da fé se deu de maneira institucional, mas reconheço que esse modelo vive seus últimos dias. Quando a fé é transmitida de maneira pessoal, ela exige de nós maior responsabilidade e experiência pessoal com Deus.
Uma geração relevante vai perceber que a cultura brasileira precisa ser redimida por meio do testemunho pessoal e até esse momento essa cultura é rebelde e injusta quando tomamos o Reino de Deus como parâmetro.

" Mantenha viva a chama do dom de Deus que está em você ".

Um comentário:

Unknown disse...

Ricardo, muito legal vc ter um blog! Textos muito interessantes!!!
Abraço

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